Nossa percepção da vida depende das circunstâncias que nos cercam. Todos que experimentam uma situação extrema, limítrofe, passam a enxergar a vida com outros olhos. É muito fácil nos distrairmos com banalidades quando a vida segue sem grandes transtornos. Mas, quando o imprevisível acontece, quando a fatalidade nos alcança, quando a existência vira de ponta cabeça, nossa percepção sobre a vida muda radicalmente.
Essa tensão que estamos experimentando há meses abriu-nos uma janela de oportunidade para enxergarmos a vida com outros olhos, com urgência no olhar. Temos uma ocasião favorável para aprendermos a empatia, a solidariedade, a generosidade. Exatamente por causa do momento terrível que vivemos é que temos a chance de rever a maneira como vivíamos.
Alguém disse, recentemente, que o nosso mundo adoeceu por sofrer de “baixa humanidade”. Concordo. E foi necessário que um vírus, uma partícula infecciosa microscópica, cem vezes menor que uma bactéria, bagunçasse a vida de bilhões de pessoas ao redor do planeta para que percebêssemos que não temos total controle sobre a vida. Uma coisinha minúscula, causadora de uma tragédia gigantesca, foi quem aguçou nossa percepção do valor da proximidade física e afetiva, da importância da liberdade, do quanto significa dependermos uns dos outros e de que precisamos repensar, urgentemente, nosso estilo de vida.
Esse vírus microscópio, causador de tanta dor e sofrimento, também conseguiu abrir nossos olhos para a importância do nosso Sistema Único de Saúde, a relevância da solidariedade. Foi capaz de escancarar a ganância desmedida dos ricos e poderosos, a malignidade do capitalismo desenfreado que só se ocupa com o lucro, os malefícios de uma sociedade marcada pelo individualismo.
Foi por causa dessa pandemia que nos lembramos que a vida é rara, que ela precisa ser valorizada, bem vivida e jamais desperdiçada.
O poeta, ou a poeta da Palestina, que compôs o salmo 90 (não, ele não foi escrito por Moisés), possivelmente não vivenciou um contexto de pandemia como o nosso. Ainda assim, tinha uma percepção bem mais aguçada sobre a brevidade e o valor da vida: “Ensina-nos a aproveitar a vida! Ensina-nos a viver bem e sabiamente!” (Salmo 90.12 – A Mensagem). Talvez o outro poeta, o mais recente, o pernambucano, o Lenine, tenha se inspirado nesse trecho do salmo ao afirmar que “a vida é tão rara, tão rara”.
Verdade, essa pandemia nos fez enchegar o que era invisível aos nossos olhos, que o toque e a liberdade de ir e vir, atos tão corriqueiros, são tão necessários e importantes para se viver com um mínino de leveza.